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09 June 2019 Written by 

Encostas do bom martírio

Por vezes surgem saudades e outras reminiscências da épica participação no Ultra Trail Serra da Freita (UTSF), aquando da minha estreia em provas do género. Foi um verdadeiro carrossel de emoções, desde o desespero latente à felicidade palpável pela conquista. Juntando a isto o prazer pela solidão da montanha, gosto de regressar a estas memórias e às paisagens suadas da Freita.

O plano passava por sair do Campismo do Merujal e fazer um percurso circular com bastante subida acumulada. Chegado à Mizarela, desci pelo PR7 e investi depois em direção às lagoas do rio Caima. Com os olhos postos na grande Frecha da Mizarela, fui subindo o rio pelas escarpas até ficar por baixo da queda de água (GC7867G). Pelas minhas contas já não passava ali por baixo há cerca de nove anos. Após as fotos, subi pelo trilho junto à rocha, que em alguns locais parece estar a ser conquistado pela vegetação, mas ainda assim é bastante percetível.

 Lá em cima encontrei o PR15 e continuei em direção à aldeia de Albergaria. Passei pela praia fluvial, onde alguns veraneantes exercitavam a procrastinação propícia de um dia de calor. Acompanhando o percurso do Caima, fui avançando pelo planalto da Freita. Na passagem pelo Serlei desci para a aldeia de Gestoso. Calcorreando as ruelas alcatroadas pelos dejetos das vacas, desci depois pelos campos na direção de Gestosinho.

A meio do caminho desci para Agualva, passei pela aldeia e fui descendo de socalco em socalco. Há muito que o arvoredo tomou conta daquelas encostas, mas subsiste o trabalho das gerações que ali criaram uma fortaleza de muros e terrenos cultiváveis. Apanhei depois o trilho que desce abruptamente para a ribeira da Agualva e aproveitei para almoçar na bucólica cascata das Porqueiras. Como o dia seguia quente, cada encontro com o ribeiro servia também para um merecido banho de energias renovadas.

Passei pela aldeia abandonada e desci depois em busca das Berlengas. Na confluência das três ribeiras aproveitei para explorar melhor a zona e fiz-me então ao caminho das famosas Escadas do Martírio. Talvez tenha demorado demasiado tempo a visitar a este percurso. De qualquer forma, a espera valeu a pena. Sempre rodeado por um arvoredo frondoso, a escadaria para a aldeia da Lomba parece realmente interminável. E pensar que num passado recente todas aquelas encostas eram cultivadas. A zona parece um troféu dedicado à persistência e engenharia humanas em resistir num recanto perdido da montanha.

Atravessei a Lomba com os olhos postos no cimo distante da serra. A meio da Vereda do Pastor sai do trilho e segui à descoberta de mais uma encosta. Não sei se o trilho já foi batizado, mas pelo que me custou a subir acho que pode ser Quebra Costas. Escada após escada, o cume surge sempre demasiado longínquo, como se fosse um sonho indelével. Porém, as vistas para os vales compensam o esforço. Lá em baixo, as Berlengas são agora uma memória distante.

A subida tornou-se depois menos penosa, mas apenas terminou no Radar Meteorológico. Já com vistas para o outro lado do vale, desci para a Castanheira emoldurada pelos campos verdes que a circundam. Passei pelas Pedras Parideira e pela aldeia no encalço do PR15. Apesar do cansaço, não queria perder a oportunidade de refazer o PR7. Desci então pela encosta escarpada até à Ribeira, relembrando a última vez que ali tinha passado, aquando do UTSF. Passados cerca de cinco anos, ainda me parece tão incrível como inacreditável ter conseguido terminar a prova. Em particular, já depois do desespero físico e psicológico inevitável, o mistério da transformação que ocorre quando percebemos que vamos conseguir terminar. Os obstáculos deixam de o ser e significam apenas um meio para lá chegar, nem que sejam as Escarpas da Mizarela. Sentado numa laje com vista para a cascata, em comunhão solitária com a montanha, senti-me verdadeiramente privilegiado. Depois, tal como no UTSF, a distância plana para o Merujal fez-se num sopro.

No final, o percurso técnico estendeu-se por cerca de 28 km, que podem ser vistos/descarregados aqui. É sempre um prazer regressar às memórias mágicas da Freita!

Artigo publicado em cruzilhadas.pt

 

 



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